"Nada acontece por acaso. Através das reencarnações, os espíritos buscam sempre voltar próximos daqueles que foram, em vidas passadas, seus afins. Vários fatores contribuem para que este processo se estabeleça. Laços de amizade, de amor, de afetividade, como também laços em que dividas de toda espécie, são contraídas no decorrer de determinado tempo, e que precisam ser quitadas com a finalidade de propiciar ao espírito reencarnante, a oportunidade de desimcumbir-se dessa tarefa que traz consigo e, assim, poder evoluir.
É como um diamante ainda em estado bruto, que necessita ser lapidado pouco a pouco, até ostentar seu maravilhoso brilho, de rara beleza."
Maria Paraguassu
Pela estrada deserta e escura, o carro seguia em desabalada corrida. Chovia torrencialmente. Relâmpagos riscavam o céu e, em seguida , trovoadas ribombavam anunciando que o tempo não iria melhorar, ao menos pelas próximas horas.
Luciano dirigia sem rumo. Comprimia fortemente o acelerador do carro, enquanto seus pensamentos iam e vinham, ziguezagueando em sua mente, já atordoada pelos últimos acontecimentos.
Por vezes chorava, comprometendo ainda mais a visão da estrada, já que o limpador de pára-brisas não dava vencimento, pelo volume da chuva que caía.
Lembrava-se com nitidez do corpo de Mariana, já no caixão, quando ele chegara de viagem. Parecia um sonho. Um arrepiante sonho. Mariana partira, deixando-lhe com uma saudade tão grande que não cabia em seu coração.
Ficara fora, a serviço, por três meses. Seu trabalho fora bem sucedido e ele voltava para casa, quando recebeu a notícia da morte de sua amada. Como a amara! Como ainda a amava!
A lembrança daquele rosto querido e doce, de seu sorriso encantador, aumentava ainda mais seu pesadelo, sua saudade e sua dor. Como poderia ter acontecido aquilo, justo com ele, que tinha somente a ela, Mariana, e que era a mulher que sempre sonhara encontrar. Entrou em pânico. Como sobreviver sem ela? Como enfrentar o dia-a-dia sem vê-la?
Conhecera-a havia três anos e fora amor à primeira vista para ambos. Ela estava num baile de formatura de uma amiga. Luciano também tinha amigos formando-se naquela turma. Estava no salão de festas conversando num grupo, quando a viu. Parecia uma princesa. Sua pele clara, seus olhos de um azul intenso, seus cabelos longos e louros , enfim, era uma linda mulher. Foram apresentados e Luciano convidou-a para dançar. Enlaçou-a e saíram bailando, deixando-se levar pelo enlevo da música. De repente, olharam-se, como se a alma de um procurasse a do outro. Ali, naquele instante, compreenderam que estariam unidos para sempre, pois parecia que já se conheciam de outras vidas.
Ficara sabendo por um telefonema dos pais de Mariana que, na noite anterior, ela havia saído com as amigas para irem ao cinema. Na volta, como fazia muito calor, pararam num barzinho, para beberem um refrigerante.
Estavam conversando, numa mesa posta na rua, quando alguém gritou que era um assalto. Elas, imediatamente abaixaram-se sob a mesa, mas Mariana foi atingida por um tiro e sangrava muito. Haviam muitos feridos, os quais foram removidos imediatamente ao hospital mais próximo. Mariana, porém, não resistiu aos ferimentos e falecera.
Ao saber do acontecido, Luciano acabava de descer do avião que o trouxera de volta à sua cidade.
Enlouquecido de dor, rumou para a capela, no cemitério onde Mariana estava sendo velada.
Nunca imaginara vê-la assim, dentro de um caixão, parecendo adormecida como se fosse uma boneca de cera.
Luciano sentiu o chão sumir sob seus pés e desmaiou. Ao voltar a si, estava sendo examinado por um médico que deu-lhe, em seguida, um calmante para tomar.
Sentou-se, olhar perdido, o choro convulsivo sacudindo-lhe o corpo. Tentou erguer-se, mas não conseguiu. Seu desespero era enorme. Não quis mais ver Mariana.
Passado algum tempo, achando-se um pouco melhor, saiu alegando que precisava de ar fresco para respirar melhor.
Tomou seu carro e, sem saber aonde ir, ficou rodando horas a fio pela cidade, cujas luzes começavam a se acender, visto que a noite já caía lentamente.
Resolveu, por fim, tomar a estrada para fugir do horror em que se transformara sua vida.
Começara a chover. De início, uma chuva mansa, como se fora um choro de dor e saudade por sua amada e doce namorada. Depois, a chuva tornou-se mais forte e a ventania açoitava as árvores, espalhando galhos e folhas pelo chão. Agora, era uma violenta tempestade. Uma enxurrada de água com detritos fez com que o carro de Luciano aquaplanasse e ele não conseguiu mais controlar o veículo que derrapou violentamente, capotando várias vezes.
Seu corpo, já sem vida, jazia no acostamento da estrada, semi-encoberto pela lama.
O sol iluminava esplendorosamente a Colônia Caminho da Luz. A brisa, mansa e serena, levemente tocava as flores multicoloridas do jardim, as quais exalavam um delicioso perfume que parecia estender-se a todos os recantos daquele local.
O dia já ia alto, quando Luciano acordou. Tentou erguer-se do leito, onde os lençóis eram de um branco alvíssimo e cheiravam a lavanda. Ainda tonto, voltou a cair sobre os travesseiros, tentando identificar o local onde se encontrava.
Por mais esforço que fizesse, não lhe vinha à mente a lembrança daquele lugar.Olhou para os lados e viu, sobre o criado-mudo, flores silvestres e coloridas, que pareciam ter sido colhidas há pouco.
Lentamente, foi lembrando-se do carro derrapando na estrada escura e molhada pela chuva. Não conseguia lembrar mais nada, a não ser da imagem de Mariana, na capela mortuária. Começou a chorar, quando sentiu que havia mais alguém naquele quarto. Ao voltar-se,viu um jovem de jaleco branco que apresentou-se:
- Olá Luciano, como está se sentindo? Sou Arnaldo e estou encarregado de cuidar de você.
- Onde estou? Que lugar é este? Como vim para cá?
- Calma meu jovem, um pouco de cada vez, disse Arnaldo. Estamos numa Colônia Espiritual chamada Caminho da Luz, que fica no espaço, acima da cidade em que você morava. Você foi recolhido por uma equipe socorrista e trazido para cá, após o acidente com seu carro e no qual você desencarnou, explicou Arnaldo.
- Como assim, desencarnei? Então, eu morri?
- Sim, você morreu, como costumam dizer lá na Terra.
- Mas eu estou vivo! Nunca me senti tão vivo!
- Sim, Luciano. Você está vivo, porque ninguém morre. Todos somos eternos e a morte é uma mera ilusão. O que morre é nosso corpo de carne que fenece e o nosso espírito, que é o que realmente somos, retorna à pátria espiritual que é onde estamos. Esta Colônia abriga muitos espíritos que aqui aportam vindos de sua cidade.
Luciano sentiu um torpor que lhe tomava por inteiro. Lembrou-se imediatamente de Mariana. Onde estaria ela? Será que, como ele, estaria ali, naquela mesma Colônia? Olhou para Arnaldo e perguntou-lhe:
- Arnaldo, por favor, diga-me: há dois dias atrás, minha noiva Mariana, morreu num assalto. Será que ela encontra-se aqui, neste local, tal como eu?
- Veja bem, Luciano. Precisamos, em primeiro lugar, tratar de você. Depois falaremos sobre isso.
Dito isso, o fiel cuidador fez com que Luciano voltasse ao leito e, sentindo-o muito tenso e visivelmente exaurido, deu-lhe um copo de água fluidificada para beber e, colocando a mão sobre a cabeça do rapaz, deu-lhe um passe magnético, o que fez com que o jovem logo adormecesse.
Mariana, por sua vez, em virtude dos ferimentos que seu corpo físico havia sofrido, ainda encontrava-se dormindo profundamente. Vez por outra, Adelaide ia vê-la e velava, por alguns momentos, seu sono reparador. Adelaide fora designada para cuidá-la e atendê-la quando ela acordasse.
Assim como ocorrera com seu namorado, Mariana fora atendida por uma equipe de socorro, encaminhada pela espiritualidade, a fim de realizar o completo desligamento de seu espírito e encaminhá-lo a uma das Colônias Espirituais.
Mais uma noite se passara e, finalmente, Mariana acordara. E Adelaide estava lá, ao seu lado. Abriu os olhos e, ainda estonteada, tentou levantar-se, quando a fiel Adelaide amparou-a nos braços.
Parecia que tudo havia sido um sonho. Quando conseguiu recordar-se do que havia lhe acontecido, Mariana desandou num choro convulsivo. Adelaide colocou sua mão na testa da moça e esta, em poucos segundos, acalmou-se. Voltou a dormir e, mais tarde, acordou novamente, agora bem melhor do que antes. Quis, de pronto, saber onde estava e como fora parar naquele lugar.
Com desvelado carinho, sua protetora explicou-lhe que ela havia desencarnado durante o assalto que ocorrera no barzinho em que estava com suas amigas e que fora encaminhada para a Colônia Caminho da Luz.
A jovem, diferentemente de seu amado, era espírita e já entendia muito sobre a sobrevivência da alma, após a morte do corpo físico. Sentindo-se bem, pediu à dedicada Adelaide que lhe mostrasse a Colônia, pois estava curiosa para conhecer onde permaneceria pelo tempo que fosse necessário.
Saíram à rua e o que Mariana viu deixou-a maravilhada.
Era tudo muito limpo, com flores multicoloridas espalhadas pelos diversos jardins de onde vinha um delicioso perfume de lavanda.
Ouvia-se também, uma suave e angelical música que enlevava a alma e o coração.
Mariana agradeceu a Deus pela oportunidade de estar num lugar tão lindo e tão acolhedor.
Ela sentia muitas saudades de seus pais e, também, de Luciano. Estavam passeando pelos jardins quando Mariana viu que vinha ao seu encontro, alguém conhecido. Ficou muito emocionada, pois era sua querida avó, já há anos desencarnada. As duas se abraçaram, chorando de alegria. Realmente, na espiritualidade, era como Mariana havia estudado e lido muito. Os espíritos afins se buscavam e viviam como se na Terra estivessem.
Enternecida com aquele encontro, Adelaide deixou-as a sós para que pudessem conversar.
Passara-se quase um ano da chegada de Luciano e Mariana à Colônia Caminho da Luz. Tanto um quanto o outro, já estavam integrados naquele ambiente de paz. Luciano estudava numa das escolas que preparava espíritos para atuarem em grupos de socorro às vítimas do álcool, do fumo e da drogadição.
Já estava, inclusive, acompanhando os mentores espirituais que desciam à crosta terrestre para este tipo de trabalho.
Mariana, estava matriculada numa escola que ensinava aos espíritos a atuarem, em missão de socorro, junto àqueles desencarnados vítimas dos mais variados males da alma e do corpo. Adorava seu trabalho.
Na Terra, numa cidade próxima a que moraram, eclodiu um violento incêndio numa grande loja de departamentos. Era horrível. Muitos feridos eram levados às pressas para os hospitais mais próximos e os que haviam sucumbido no incêndio, eram trazidos para a Colônia Caminho da Luz, onde eram tratados e encaminhados para as salas de acompanhamento espiritual.
Foi assim, exercitando a caridade no trabalho missionário junto aos desencarnados na crosta terrena, que Luciano encontrou-se pela primeira vez, depois de ambos haverem desencarnado,com Mariana.
Olharam-se como na primeira vez em que se viram, ainda na Terra, naquele baile onde o amor começou a bordar sua teia, fazendo-os muito felizes, até que os trágicos acontecimentos lhes tiraram a vida.
Deram-se as mãos, e entenderam o porquê daquele encontro. Estavam, novamente, unidos. Agora, em alma, para todo o sempre. Olharam para o céu que começava a tingir-se de um maravilhoso tom de rosa e violeta e, emocionados, elevaram sentida prece à Deus, agradecendo por terem se encontrado novamente e por terem a oportunidade de, juntos, auxiliar seus irmãos no retorno à pátria de origem.